sábado, 13 de setembro de 2008

Manifesto do Ateísmo Cósmico

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”
(Caetano Velozo)

"E para início, tomaremos como base que não há coisa alguma que tenha jamais surgido do nada por qualquer ação divina." (Lucrécio)

"Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é uma coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que os não impede?"(Epicuro)

"Ó raça humana tão infeliz por ter atribuído tais fatos aos deuses e por lhes ter juntado as cóleras acerbas! Quantos lamentos para si próprios, quantas feridas para nós, quantas lágrimas para os nossos descendentes não originaram eles!" (Lucrécio)

"O céu nós deixaremos para os anjos e os pardais.
Queremos ser felizes na Terra”( H. Heine )

“Os homens do primado espiritual viviam bem, cuidavam do corpo, mas nós, desgraçados materialistas, alojados em quartos de pensão, como ratos em tocas, a pão e laranja, como se diz na minha terra, quase nos reduzíamos a simples espíritos”(Graciliano Ramos)
-
“Essa pressa leviana
demonstra o incompetente.
Por que fazer o mundo em sete dias
se tinha a eternidade pela frente?”
(Millor Fernandes)

“Vi uma mão fazer no barro
um homem forte, um homem nu
um homem branco como eu
um homem preto como tu
porém não foi a mão de Deus
foi Vitalino de Caruaru”
(Bráulio Tavares)

“Não se é apenas religioso quando se adora uma divindade, mas sim quando se empregam todos os recursos do espírito, todas as submissões da vontade, todos os ardores do fanatismo, ao serviço duma causa ou dum ser que se faz alvo e guia dos nossos pensamentos e atos”
(Gustavo Le Bom)


O Manifesto

1 - Há uma incompatibilidade política fundamental entre a idéia da divindade e o segmento dos ateus cósmicos. Somos plebeus e republicanos, enquanto os propagandistas do Altíssimo, pelo menos nestas bandas ocidentais do planeta, pregam o Reino de Deus. E se já nos desagradam os saibros imperiais presentes na república atual, ilhada de núcleos aristocráticos e séquitos de cortesãos comissionados, imaginem aceitarmos uma monarquia absoluta comandada por um Rei-Deus todo-poderoso.

2 - Otro agravante é que Sua Majestade Divina exerce um poder absoluto unipessoal
vitalício e eterno, sem dinastia nem sucessores. E nós, como republicanos, já nos consideramos saturados com uma única reeleição para cargos executivos.

3 - Considera-se um tanto antiquada a estruturação dos poderes no esquema montesquieuriano de executivo, legislativo e judiciário. Surgem as instâncias colegiadas, os ouvidores, os ombudsmans, os plebiscitos, os referendos e as iniciativas de lei a partir de sobrescrições de eleitores, como formas de participação representativa. Mas aí se coloca Sua Majestade Divina como encarnação suprema de todos os poderes, concentrando as funções executiva, legislativa e judiciária e vetando o acesso da sociedade civil e militar, servil e inservil, às suas instâncias absolutas e ocultas. Ela dita as leis, aplica os códigos e administra as coisas transparentes e ocultas, constrangendo, mais uma vez, o sentimento republicano dos cidadãos em geral, e não só dos ateus.

4 - Sua Majestade Divina é uma autoridade de difícil acesso, pois não dá audiência a pessoas ou grupos, nem aceita nenhuma forma de diálogo direto com os seus súditos.

5 - No tocante à delegação de atribuições, o caos é completo, pois uma infinidade de instituições e indivíduos se arroga como detentora da condição de representantes oficiais e disputam entre si a titularidade divina, sujeitando os súditos a uma guerra de propaganda e catequese com tiroteios cada vez mais invasivos e gulosos.

6 - Não nos agrada o desempenho de Sua Majestade Divina no exercício do poder absoluto. Sendo onisciente, poderia ela ter evitado uma infinidade de males do mundo. Mas deixa-os se desenvolverem e peca, neste ponto, como contumaz reincidente em matéria de omissão de autoridade e de socorro. Sendo onipotente, sua culpa generalizada se agrava, levando-a, constantemente, a ser enquadrada em crimes de responsabilidade. Isto, se consideramos que todos os seus propalados poderes são reais. Se não forem, estaremos diante de um caso evidente de propaganda enganosa. Aí, Sua Majestade Divina se enquadra como infratora do Código de Defesa do Consumidor.

7 – Pelo expediente da onipresença Sua Majestade Divina pode estar ao mesmo tempo em todos os lugares, o que caracteriza uma intolerável invasão de privacidade, agredindo direitos civis muito caros nos tempos atuais. Nisto, Sua Majestade Divina supera a CIA, a KGB e todas as agências de espionagem do passado e do presente.

8 - Os propagandistas de Sua Majestade Divina o colocam no papel de pastor, enquanto nós, os seres humanos, somos relegados à condição de ovelhas do seu rebanho. Semelhante representação nos desqualifica no estágio a que chegamos na evolução das espécies. No terreno político, caracteriza uma estrutura de poder pré-patriarcal, pré-caudilhesca e pré-retrógrada. Indagamos se não derivam daí as idéias do "curral eleitoral" e da vanguarda como detentora das "rédeas", sendo o povo a cavalgadura, sujeita a sela e esporas.

9 - Conhecedores e padecedores da condição de ateus numa sociedade onde predomina a hipocrisia religiosa, acostumamo-nos a conviver com a realidade de todas as seitas. E inspirados no ensinamento do companheiro Jota Cristo, segundo o livro autorizado, aprendemos a perdoar, 70 x 7 as grosserias, injúrias, calúnias e difamações lançadas contra nós por espíritos primários, porque, afinal de contas, "eles não sabem o que dizem".

[Seguem-se 11 itens]

Manifesto da Monarquia Pós-Moderna

[Amostra grátis]

Introdução

* A Monarquia Pós-Moderna Brasileira se fundamenta em dois expressivos dados da realidade nacional:

. o povo gosta de rei;

. no Brasil, com presidencialismo ou parlamentarismo, o governante tende a agir como rei.

Sendo assim, que se instaure a monarquia.

Mas considerando que política é coisa muito séria, é proibido rei se meter em política.
E considerando que existe rei, é proibido político se meter a rei.

Instauração e objetivos

* A Monarquia Pós-Moderna Brasileira será instaurada a partir de um sorteio da Loteria Esportiva, no valor de dez mega-senas, para premiação-indicação do monarca. Poderá concorrer qualquer brasileiro ou brasileira, nato(a) ou naturalizado(a), partir dos 25 anos de idade.

* São objetivos fundamentais e permanentes da Monarquia Pós-Moderna Brasileira:
. satisfazer à fome e à fantasia imperial e pomposa do povo;

. tornar insuperável a coroa brasileira como a mais deslumbrante do mundo;

. depurar o processo político e as instituições civis das sobrevivências e emanações aristocráticas e ritualísticas.

* Para cumprir estes objetivos, deverão ser implementados e utilizados com largueza os instrumentos e as posturas reais mais convincentes, tais como: aristocracia, dinastia, brasões, cerimônias, corte, bobo da corte, arautos, palácio, carruagens, trono, cetro, coroa, manto, anel.

* A coroa constitui uma instância cerimonial e simbólica, um não-poder político sem nenhum poder sobre nada.

* O monarca ou a monarca não pode votar nem ser votado e é impedido de declarar ou insinuar preferência por candidato, partido, articulação, projeto ou proposta.

*Ao monarca é proibido atuar em instâncias associativas, representativas ou administrativas, movimentar contas públicas ou coletivas e desenvolver qualquer atividade lucrativa, sendo-lhe somente permitido utilizar a caderneta de poupança, o cartão de crédito e a conta bancária individual ou conjunta.

* É vedado ao monarca fazer discursos e dar entrevistas.

* As falas reais se circunscrevem a saudações breves, votos, brindes e cumprimentos.

* Na comunicação real, um percentual de 98,2% deverá ser composto pelo gestual majestático.

* A denominação palácio é reservada ao domínio exclusivo da coroa, sendo vedado o seu uso a qualquer outra instância do poder público.

Prerrogativas reais

* São prerrogativas exclusivas do monarca:

. dar posse aos reis-momos do país;

. coroar rainhas do milho, assemelhadas e assemelhados;

. abrir e fechar o desfile de 7 de setembro, em Brasília; o desfile das escolas de samba, no Rio de Janeiro; a Corrida de São Silvestre, em São Paulo; o espetáculo da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, Pernambuco;o concurso de Boi Bumba, no Maranhão;

. hastear bandeiras;

. abrir reveillons, bailes de debutantes, censos do IBGE e simpósios de porte nacional e internacional;

. presidir cerimônias de minuto de silêncio;

. iniciar campanhas de vacinação;

. participar de aniversários e funerais especiais;

. empossar os eleitos para a Academia Brasileira de Letras;

. cortar fitas de inauguração, descerrar placas e descobrir bustos;

. entregar prêmios da Loteria Esportiva, de concursos literários e artísticos e troféus de competições desportivas;

. descer a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília;

. colocar faixas, entregar comendas e condecorações;

. cumprimentar comitivas, à distância;

. abrir e fechar novelas em horário nobre;

. dar o chute inicial no jogo de abertura do campeonato nacional de futebol;

. presidir, simbolicamente, a torcida brasileira na copa do mundo;

. promover cerimônias de beija-mão;

. ocupar lugares de honra em casas de espetáculo e em grandes eventos;

. saudar a primeira criança nascida no país, em cada ano novo, e cumprimentar a família do primeiro morto;

. nas festas de Ano Novo, cumprimentar Papai Noel, quando ele desce do helicóptero;

. aprofundar o conhecimento dos contos de fada e das histórias de carochinha, devendo distinguir-se na arte de contá-los;

Observações:

. Considerando ser esta uma prerrogativa real, é proibido aos políticos contar ao povo contos de fada e histórias de carochinha;

. O tempo despendido no relato de contos de fada e histórias de carochinha não será computado na composição do percentual de 97,8% reservado à fala na comunicação real, segundo consta em item anterior.

* Em lugar de reino, a Monarquia Pós-Moderna Brasileira se constitui como império, em sintonia com as tendências globalizantes atuais, para corresponder à tradição histórica e à mania de grandeza brasileira, principalmente, diante dos vizinhos latino-americanos.

Seguem-se os itens:

. Dinastias
. Aristocracia e Corte
. Estruturas de Poder
. Federação
. Eleições e Destituições
. Serviço Público
. Economia
. Forças Armadas
. Organização Civil
. Estrangeiros
. Justiça
. Casamento
. Assistência Social
. Concursos e Prêmios
. Corrupção
. Considerações Finais
. Pós-Considerações republicanas

Manifesto do PC do Bebê

[Amostra grátis]

Um espectro ronda a esquerda: o espectro do eleitoralismo. Todas as potências do velho conservadorismo unem-se com grata satisfação para celebrá-lo; magnatas e caudilhos, fundamentalistas e neoliberais, os nacionalistas da França e os neonazistas da Alemanha.

Que tendência de oposição não foi acusada de eleitoralismo por seus adversários no poder? Que tendência de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante de cupulista?

Duas conclusões decorrem desses fatos:

1. O eleitoralismo da esquerda já é reconhecido como realidade pela opinião pública mundial.

2. É tempo de os esquerdistas insatisfeitos exporem à face do mundo inteiro seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto da própria esquerda à lenda do espectro do eleitoralismo. Com este fim, reuniram-se no Brasil esquerdistas de várias nacionalidades e redigiram o manifesto seguinte, que deverá ser publicado em inglês, francês, alemão, italiano, flamengo, dinamarquês, espanhol, português, tupi-guarani e esperanto.

1 - Partimos do pressuposto de que largas parcelas da esquerda atual padecem de um cupulismo sem solução. E não podendo aplicar o princípio democrático do camarada Stalim, segundo o qual “as pequenas divergências desaparecerão no processo, mesmo que, para isso, deva desaparecer o companheiro”, teremos de esperar que esses esquerdistas morram democraticamente, para que, no futuro, se possa acertar o passo nas lutas sociais. Sendo o vírus do cupulismo muito mais poderoso, recorrente e transmissivo do que o da AIDS, admite-se que as gerações próximas da atual estão irremediavelmente contaminadas por ele, tornando-se desqualificadas para uma reversão do estado de coisas em vigor.

2 – Dirigimo-nos, portanto, aos bisnetos dos que nascerem no ano 2.025, admitindo que eles já deverão estar devidamente distanciados da praga de cupulismo que assola a esquerda atual. Por essa época, a mobilização para o exercício da cidadania deverá ter início aos sete anos de idade. E para evitar o corporativismo, essas crianças, em lugar de partirem das suas próprias reivindicações, começarão pela ação de solidariedade, na defesa dos direitos dos fetos e dos bebês. Interessados neste processo, colocamos uma pauta para discussão, imaginando que ela possa contribuir para a mobilização infantil e a formação do futuro PC do BeBê – Partido das Crianças e dos Bebês

3 – Levantamos a hipótese de que, através de alguma comunicação extra-sensorial entre os infantes militantes, os bebês e os fetos instalados nas barrigas das mães, possam surgir modalidades de militância pré-natal, colocando os riscos de divergências e até de rachas intrauterinos entre os pré-cidadãos, no caso de gêmeos. A perspectiva da pré-cidadania no terceiro milênio constitui um espaço aberto a encontros, debates, seminários, concursos, monografias, dissertações acadêmicas, abordagens ficcionais e formação de ONGs.
Que os interessados façam os seus jogos.

[Seguem-se 12 itens]

Conclusão

O PC do BeBê não se rebaixa a dissimular suas opiniões e seus fins.

Proclama abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela superação do padrão de militância atual e pela derrubada radical de toda a ordem social existente. Que as classes e os militantes dominantes tremam à idéia de uma revolução comandada pelo PC do BeBê. Os fetos, os bebês e as crianças nada têm a perder, a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.

CRIANÇAS E BEBÊS DE TODOS OS PAÍSES: UNÍ-VOS!

Manifesto da Esquerda Vicejante


Texto integral

Apresentação

Que seria de um Deus sem
essa névoa que o protege e encobre”?
(Rainer Maria Rilke
)

No princípio era o “Manifesto Comunista de 1848”; e sobre o texto de Karl Marx e Fiedrick Engels há já alentado conjunto de estudos, entre outros, de Charles Andler, Alexandre Kofe, Bottigelli, Chatelet. Agora o Manifesto da Esquerda Vicejante, que não tem a pretensão de merecer estudo nenhum. Do primeiro se disse, como no comentário da abertura à sua segunda edição, que são a “expressão geral das relações efetivas de um movimento histórico que acontece sob nossos olhos”; e desde agora provavelmente nunca se dirá nada com tanta pompa. Do primeiro se pode afirmar, como Francis Fukuyama, que foi “profético”; e deste se poderá dizer quase tudo, inclusive, – como seu inspirador – é também profético. Mas o primeiro pode ser acusado de ter “embalsamado”, ou de se ter “convertido em peça de museu”, segundo palavras de Claude Lefort. O que nunca será o caso deste agora, que pode ser tudo, menos peça de museu.

A idéia de usar “manifestos” para divulgar idéias na verdade não é nova. Já a usou por exemplo o padre Lebret, em seu bem conhecido Manifesto por uma Civilização Solidária – em suas próprias palavras a tentativa de “indicar um caminho que permita à humanidade sair dos impasses em que se encontra”. Filippo Tomaso Marinetti fez publicar em 1909 um “Manifesto Futurista” no Jornal Figaro; inspirando entre nós o “Manifesto Antropofágico” e o :Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, com os quais Oswald de Andrade deu continuidade ao movimento nativista no Brasil. Sami Rosentein – dito Tristan-Tzara – escreveu um Manifesto Dadaista. André Breton publicou em 1924 e 1930 dois Manifestos surrealistas, pregando o não conformismo e a fórmula de criação denominada “automatismo psíquico”. Mais recentemente tivemos o Manifesto Neo-concreto, de Ferreira Gullar, e o Manifesto da Poesia Praxis, de Mário Chamie. Sendo provável que muitos outros “manifestos” existam ainda, por esse mundo de Deus.

No fundo esse Manifesto da Esquerda Vicejante trata da tragédia institucional que vivemos hoje, no Brasil, com a sobrevivência dos padrões autoritários para além do fim da “Revolução” dita redentora, inaugurada em 1964. Porque o autoritarismo marca com o mesmo ferro quem está com ele e que está contra ele, como espelhos invertidos;”througt the looking glass”, aproveitando o título de Carrol. Em verdade vos digo que somos uma geração irremediavelmente comprometida, preconceituosa, mais preparada para falar do que para escutar; generosa com os que pensam como a gente e excludente com nossos desiguais. Como passamos tempo demais na resistência democrática, acabamos mais preparados para os atos do não, apenas; incapazes de perceber a beleza de um “sim numa sala negativa”, como no dizer de João Cabral. Somos gente que passou toda a vida resistindo ao autoritarismo, e que de repente experimenta o sal da liberdade, despreparada para a aventura da democracia.

Esse manifesto de que aqui tratamos fala disso como um ato de amor. De humor também. De um amor bem humorado que nos faz bem e nos faz falta. Temos aqui uma crítica à prática política dos nossos companheiros que finda sendo devastadora, porque o humor cáustico do autor revela verdades cruéis. Mas o texto é sobretudo um ato de confiança no futuro, em nossas potencialidades, na generosidade de nosso povo, em nosso destino histórico.Um ato de fé no tempo, bem-vindo e esperado, em que juntos seremos capazes de produzir, como nos versos que leremos, “raízes, caules, folhas,. flores e frutos”. Para todo o sempre. Amém.

José Paulo Cavalcanti Filho
Recife, junho de 1994

Nota do autor



O Manifesto

“Vicejar (De viço + ejar)
1)Ter viço, vegetar com opulência, viçar (...).2)Ostentar-se de maneira brilhante ou exuberante; garrir (...).
3) Dar o viço a (...).4)Fazer brotar exuberantemente (...).5) Brotar, produzir, lançar (...)”
(Novo Dicionário Aurélio, Ed. Nova Fronteira,
2a edição 1986, pág 1773)

1
* Em lugar da esquerda arrogante e autofágica, a esquerda criativa e cativante.

* Em lugar do otimismo compulsório, a esperança crítica.

* Em lugar dos sonhos utópicos, as vigílias programáticas e pragmáticas.

* Em lugar das cartas de princípio, os bilhetes de começo, meio e fim.

* Sempre que se levantar questões, baixar soluções.

* No horizonte dos pontos de partida, os encontros de chegada.

* Antes de procurar as saídas, encontrar as entradas.

* Em lugar das viciadas veredas, os desafiantes caminhos.

* Em lugar das rotas rotinas, as radiosas rupturas.

* Em sintonia com o espírito que norteia, o corpo que suleia.

* E quanto pior, pior.

* E quanto melhor, melhor.

* E o importante são os talhes dos detalhes.

2

* Abaixo MDU: Mito, Dogma, Utopia.

* MDU: o trio tenebroso.

* Mito é a sombra do anão fazendo gigante no muro.

* Dogma é a ponte avançando antes de o rio nascer.

* Utopia é a costura seguindo sem a linha na agulha.

3

* Que a esquerda tenha a coragem de se olhar de frente no espelho.

E sem maquiagem.

* Ampla distribuição de espelhos retrovisores para que todos também possam ver a própria cauda.

4

* Abaixo a caricatura atual da militância!

* Partidos políticos: “minha eleição” , “meu espaço” , “meus cargos”

* Sindicatos: “meu dissídio” , “minha data-base”, “minha categoria”

* Movimentos sociais: “meu segmento”.

* Associações de moradores: “meu grupo” “minha rua”, “meu bairro”.

* Organizações Não Governamentais: ”meu projeto”, “meu pobre”, “meu gringo”

* Espaço de ação: “meu protesto”, meu “comício”, “meu fórum”

5

* Abaixo os atos-públicos-atos-íntimos de a gente olhando pra nós, os protestos sem contágio e as greves gerais irreais.

* Fora com o automatismo da ação política calendarizada e eventualista.

* Pela subordinação dos barulhos do marketing ao trabalho de massas.

* Mais programação ao vivo e menos em circuito fechado.

* E aos que pretendem insistir na mesma infecunda mesmice, recomenda-se a contratação de grupos teatrais para encenação de assembléias, passeatas, piquetes e comícios.

* Além de atores e figurantes, dublês e sósias impecáveis dos dirigentes permitirão que eles assistam a tudo em casa e em cores, onde assinarão depois os maravilhosos documentos de avaliação com a abertura: “foi uma vitória” ; e o fecho: ” a luta continua”.

6


* Chega de reproduzir no movimento popular aquilo que se critica nas cantigas do poder.

* Ninguém cria o que não vivencia, lugar de teoria é na prática e democracia pra ser boa começa de casa.

* Que se instaure a democracia entre as forças e os cidadãos de esquerda, não apenas enquanto medida provisória ou estado de emergência, mas como premissa e conclusão, meta e método, escada, trampolim e mergulho de vida e convivência.

* Pela alfabetização democrática.

* Que se providenciem as escolinhas de democracia, do maternal ao curso noturno, para todas as tendências e sub-tendências da esquerda.

7

* Abaixo a ditadura da meia dúzia.

* Chega de falar em nome do povo sem procuração nem consulta.

* Pela mobilização dos não consultados ante as imposições de diretórios, diretorias, gabinetes, escritórios, chefias, equipes, caciques, mandatários e porta-vozes em geral – autorizados, autointitulados, telepáticos e mediúnicos.

* Em lugar da ditadura das palavras de ordem, a sintonia com os anseios do povo.

* Contra a privatização do movimento popular por indivíduos ou grupos: gurus, tutores, protetores, patronos, papais, mamães, sociedades anônimas, companhias limitadas, condomínios e consórcios.

8

* Fora com o sadomasoquismo reverberante do tipo: “passei a noite sem dormir”, “hoje quase não comi” e “estou morto de tanto trabalhar”.

* Se noite de sono, fome e excesso de trabalho forem padrão de qualidade militante, que se promova como vanguarda política o trio formado por um vigilante noturno, um faquir e um jumento.

* E que se livre a todos do discurso chantagista da hora-extra militante, utilizada como poupança, lucro ou dividendo, com direito a grosseria e pompa, por quem se considera acionista majoritário da luta popular.

* Pela conciliação entre a luta popular e o leito copular.

* Por uma militância com poesia, prazer, amizade e humor.

9

* Contra o delírio político e a ficção na ação.

* Que os militantes assimilem a objetividade dos humoristas.

* Pela implementação dos Centros Integrados de Arte para Políticos – CIAPs – com abundância de professores surrealistas, abstracionistas e performáticos.

10


* Pelo estímulo à desinibição religiosa entre militantes, notadamente, no círculo dos que se dizem ateus, agnósticos e materialistas, para que diminuam o fanatismo, as igrejinhas, as confrarias e as seitas políticas.

* Que os ateus autênticos colaborem com os religiosos de todos os matizes no esforço pela dessacralização da vida política e para o exercício dos cultos nos lugares devidos.

11

* Pelas assessorias especializadas para todas as vertentes da esquerda psiquiátrica.

12

* Por uma adequada política de administração de narcisos.

13

* Contra a amnésia política daqueles que pretendem soterrar o passado ditatorial.

* Chega do saudosismo vitimista dos que analisam a história a partir do seu umbigo torturado.

* Fora com as mitificações e os tabus.

* Que as vivências, os depoimentos e as memórias sejam tratados como fontes de informação a serviço da atualidade política e da verdade histórica.
* Contra a necrofilia política.

* Que seja repensada a questão dos mortos e desaparecidos durante a ditadura, colocando-se em primeiro plano, não as chagas do seu martírio, mas o significado público e a responsabilidade da sua perda, as informações sobre as suas vidas e os seus jeitos de rir.

14


* Pela interiorização da política.

* Que a esquerda metropolitana deixe de falar em nome de todo o estado, em eventos de composição municipal e crachá estadual.

15

* Pelo crédito de confiança nos controles.

* Todos sabem que dor de cotovelo, gripe, picada de inseto, burocratismo, barata, ranço, má fé, antipatia, idiotice, autoritarismo e picaretagem, não são privilégios de nenhuma corrente ideológica e atacam a todas, com possíveis variações de grau.
* Em lugar da confiança cega em dirigentes e dirigidos, mecanismos eficazes de controle civil e prestação de contas de lado a lado, de cima pra baixo e, principalmente, de baixo pra cima.

* Pela desconfiança constante ante todas as versões e inversões oficiais.

* Que não se ponha a mão no fogo por ninguém.

16

* Pela ótica com ética e a coerência no cotidiano.

* Quanto à ética socialista, não usai seu santo nome em vão.

* Em caso de pendências dentro da esquerda, considerar, inicialmente, que vanguarda também é massa, a carne é fraca e cabeça também é corpo.

* Depois, recorrer em crescendo aos princípios elementares de convivência entre as pessoas civilizadas e mais ou menos honestas, aos códigos de ética profissional, aos direito civil, aos dez mandamentos da lei de Deus e à Declaração Universal dos Direitos do Homem.

* Se for necessário aplicar o Código Penal, concluir que não se trata de pendência socialista e chamar a polícia.

17

* Que as figuras carismáticas e mitológicas da esquerda, da velha, média ou jovem guarda, sejam tratadas como simples mortais, que comem e descomem.

* Sem ranços de fanático desiludido nem ciúmes de candidato a cacique.

18

* Abaixo as cortinas de ferro, os muros de Berlim e os bloqueios do grupismo e do corporativismo: partidário, sindical, comunitário, segmental, grupal, executivo, legislativo e judiciário, militar e civil, patronal e peãozal, intelectual e assessoroso, de baixo e de cima, dianteiro e traseiro, lateral e diagonal, paralelo e transversal.

* Pelos projetos globais, pensando na família, na rua, no bairro, no município, no estado e no país, inseridos no mundo e no cosmos.

19

* Abaixo a ditadura do partidarizado.

* Pluralismo não é sinônimo de pluripartidarismo.

* Pela representação eleitoral dos sem-partido.

20

* Abaixo o derrotismo e o niilismo nacional com afetações de Primeiro Mundo, de parte daqueles que sobrevivem e se pavoneiam no Terceiro.

* Chega de construções lamentosas do tipo “é gente humilde/que vontade de chorar”, que a Esquerda Vicejante propõe como o Hino Nacional da Mendicância.

* Chega de papo de burguesia bondosa distribuindo lençóis de seda para os miseráveis enxugarem as lágrimas.

* Abaixo a política e a estética do vitimismo e da mão suplicante.

21

* A Esquerda Vicejante denuncia o cupulismo como a mais requintada e repelente expressão da cultura política nacional e identifica como seus produtos de exportação:

. o liberal de sala VIP;

. o democrata de condomínio fechado;

. o social-democrata de cobertura;

. o comunista cinco estrelas;

. o esquerdista de vitrine;

. o anarquista de salão;

. o agitador de corredor;

. o ativista de sala de espera;

. o dirigente de cadeira cativa;

. o pré-candidato a cacique;

. o cacique jovem-guarda.

. a liderança de outdoor;

. a transparência com vidro fumê.

22

* A Esquerda Vicejante proclama que nada é mais arrogante e raivoso do que um pequeno-burguês, pensando que é proletário, despejando bílis noutro pequeno-burguês.

23

* A Esquerda Vicejante adverte que, a partir das duas horas de duração, toda reunião é inútil.

* Denuncia o caráter antinacional, antipopular, antidemocrático e anti-socialista das reuniões nas sextas-feiras à noite.

* E propõe que a sexta-feira seja oficializada como o dia da “transição psicológica da semana”, preservada contra reuniões palavrosas e seminários semi-áridos.

24

* A Esquerda Vicejante reconhece que, de fato, foi superado o fosso tradicional entre esquerda e direita.

* Mas, considerando o empobrecimento e a miserabilização crescentes das camadas populares, ao lado do enriquecimento máximo das classes dominantes, em verdade vos diz que o fosso foi transformado em abismo, muito mais largo e muitíssimo mais profundo.

25

* Sem medo de ser de esquerda e socialista.

* A queda do muro de Berlim não mata nossa fome nem dilui nossa direita.

*A crise do Terceiro Mundo é também a crise do Primeiro Mundo, onde se situam mandatários e patrões.

26

* Contra a pressa e a impaciência política.

* Não identificar prazos de processo histórico com prazos de biografia individual.

* Chega de só pensar no fim do filme.

* Pela unidade entre a semana e o século.

* Por mais coerência e clareza.

* Contra os requebros da esquerda de quem vem, direita de quem vai, cujo símbolo é um camaleão com fita adesiva.

* Não confundir convivência com aderência.

27

* Sem medo do diálogo e contra o câncer do consenso compulsório.
* Um bom diálogo pode ser o começo de uma excelente discordância.

* Pela polêmica “brutal e sutil”.

28

* Pela radicalidade teórica e prática.

* Vaselina somente para facilitar a entrada e aumentar a profundidade.

* Sem confundir radicalidade com unilateralidade, sectarismo, grosseria,
fechamento ao diálogo, ofensa e atrito pessoal.

* “Radicalidade é descer às raízes”.

29

* Contra a fome, o raquitismo político e a subnutrição cultural.

* Pela inclusão dos excluídos.

* Por autonomia e cidadania popular.

* Pela República Alimentarista, fundada no direito democrático de o povo comer à
vontade.

* Repúdio a todas as modalidades da engenharia política dominante na história do
Brasil:

. poder moderador;

. atos adicionais;

. atos institucionais;

. medidas provisórias;

. pacotes e troca-trocas.

30

* Abaixo as frentes eleitoreiras, nas quais, em alianças com liberais, progressistas e populistas, os núcleos populares, intelectuais, artistas, ativistas, “pagam o boi” em mais valia militante, elaborando programas, mobilizando, cumprindo tarefas, sem garantias nas ações de governo, nem mesmo, das migalhas do churrasco.

* Chega do eleitoralismo de esquerda.

31

* Pela construção de uma aliança acima e além de eventos eleitorais, futricas grupais, instâncias oficiais e trique-triques de caciques.

* Pelas campanhas de mobilização popular partindo das necessidades reais das massas pesquisadas e consultadas

* Que se estabeleçam objetivos atraentes e palpáveis, permitindo avanços e vitórias que melhorem a vida e elevem o astra.l

32
* A esquerda vicejante proclama:

* liberalismo/neoliberalismo é masturbação sem gozo;

* social-democracia é gozar fora e em pé;

* socialismo stalinista é transar sem sarro e, muitas vezes, sobre cama de caco
de vidro e areia;

* socialismo com cidadania popular, pluralismo e controle civil é sarro, dança, gozo dentro conjunto e muitas vezes repetido em boa cama.

33

* Pela unidade matemática da esquerda e do bloco democrático-popular, a partir das quatro operações fundamentais, da soma algébrica, da razão e da proporção, do máximo divisor e do mínimo múltiplo, da racionalização dos denominadores e das probabilidades.

* Cuidado com as radiciações e as frações.

* E atenção especial no cálculo das funções, ante o risco de zerar o nosso denominador comum.

34

* Pela reativação cultural da esquerda.

* Contra a demagogia dialética, a invenção de contradições e a copidescagem da realidade.
* Que os intelectuais agônicos se situem no organogramsci democrático-popular,criando e recriando para as décadas.

* Menos parênteses e mais traços de união entre a produção intelectual e a militância política.

* Pela aproximação do intelectual eclético com o povo sincrético.

* Abaixo os premoldados políticos, teóricos e práticos.

* Não confundir sociedade civil com construção civil.

* Nem referência teórica com reverência teórica.

* Nem paradigma com paradogma.

* Nem processo histórico com processo histérico.

* Chega de pensar as coisas do país e da vida como uma neurose de vanguarda.

35

* Pela descomplicação verbal.

* Falar para ser entendido e não para ser decifrado.

* Que todos digam e ninguém coloque.

36

* Pela modernização da esquerda, de A a Z.

* A mesmice da esquerda é o tranqüilizante da direita.

* Que se assuma a modernidade em todos os níveis, enfrentando os preconceitos da Esquerda das Cavernas e sem engolir o dogma de que ser moderno é se aproximar da direita.

* A Esquerda Vicejante reafirma que o maior indicador de modernidade do planeta é o povo comer o mínimo de três vezes por dia, com suco e sobremesa.

*Vamos viver e conviver melhor, com mais universalidade, mais autenticidade, mais realismo, mais ousadia, mais abertura e mais luz.

*Sejamos uma esquerda com raízes, caules, folhas, flores e frutos.

Modalidades de Ateus

Ateu trialético - Faz a junção de Marx, Cristo e Freud.
Ateu quadrilateral - Acrescenta Sartre ao trio anterior
Ateu apostólico - Assume um discurso de catequista e se esforça para instaurar uma liturgia
Ateu surfista – Em situações de dificuldade, doença, ameaça ou morte, sempre pega uma onda espiritualista.
Ateu edipiano - Vive agredindo a figura de Deus e da Sagrada Família, sublimando conflitos afetivos com o seu pai e a sua mãe.
Ateu Arco-Íris - Está sempre atrás das últimas novidades místico-religiosas, argumentando com a necessidade de se manter atualizado.
Ateu Antropológico - Relativiza tanto os conceitos materialistas que, se for encontrado ajoelhado e rezando, dirá que se trata de pura gestualidade sócio-cultural, sem nenhuma implicação filosófica.
Ateu parapsicológico - Tem queda pelas coisas do além-túmulo e navega entre o kardecismo e a umbanda, mas afirma que se trata de interesse científico pela parapsicologia.
Ateu cristão - Casa na igreja, batiza e faz primeira comunhão dos filhos, providencia missas de corpo presente e de sétimo dia, sempre em nome da não intransigência e da necessidade de integração social, considerando os componentes cristãos da nossa formação cultural.
Ateu figurativo - Não dispensa imagens e esculturas de santos na sua casa, afirmando que tudo não passa de uma questão de sensibilidade estética.
Ateu zodiacal - Estabelece um traço de união entre astronomia e astrologia, vive sempre atualizando o mapa astral, não dá um passo sem consultar o horóscopo e faz questão de saber do signo das pessoas com quem se relaciona.
Ateu mineral - Vive sempre preocupado com as energias negativas e positivas. Curte pedras, fluidos e metais. Usa pulseiras energéticas, imãs e peças repelentes.
Ateu numerológico - O Deus dele são os números.
Ateu botânico - Curte ervas, incensos, banhos, chás e plantas benéficas e repelentes.
Ateu zem - Vive perseguindo o nirvana terreno e tudo para ele, ou é in, ou yang.
Ateu culposo - É atacado por dúvidas deístas, sempre que vivencia sentimentos de culpa, principalmente, em torno de erros que não foram conhecidos ou punidos. A figura do Deus-Juiz aparece como uma possibilidade final de justiça.
Ateu supersticioso - Não passa debaixo de escada, não deixa tesoura aberta, faz figa, bate em madeira, não sai de casa dia de sexta-feira 13 e dá meia-volta diante de gato preto.
Ateu pessimista - Acredita no azar e no destino. Para ele, o inferno é a vida e os demônios são as outras pessoas.
Ateu judeu - Sempre coloca o ateísmo entre parênteses em momentos como páscoa, ano novo, nascimento, casamento e funerais.
Ateu última instância – Declara-se materialista durante toda a vida, mas na hora em que a morte se apresenta, faz a extrema unção para morrer na santa paz do Senhor. Caso não morra, retoma o discurso anterior com a maior naturalidade
Ateu perfeccionista ou neurótico – Passa o tempo todo com o roteiro na mão, preocupado em não se enquadrar em nenhum dos casos anteriores.

Novas Profissões

O desenvolvimento da economia e da politicagem coloca em extinção muitas categorias profissionais, recicla e cria uma série de outras. Para as extintas, um minuto de silêncio. Quanto às novas, destacamos algumas que nos parecem altamente expressivas, sintomáticas, emblemáticas e idiossincráticas.

Cientista político – Está autorizado a passar opinião por teoria e concorre com os jogadores de futebol na distribuição de chutes.
Consultor – Especializado em ouvir o cliente sobre o que ele sabe e concluir que não sabe de nada. Sempre elabora um diagnóstico do já conhecido e um requintado (e requentado) elenco de medidas óbvias.
Cenarista – Aquele que, consultando as obras de ficção científica, o horóscopo e o Livro de Nostradamus, sem esquecer os búzios, a leitura de mão e os dadinhos, desenha cenários otimistas, pessimistas e mistos, para todos os fins, sem nenhum compromisso com os resultados e segundo o perfil do contratante.
Cerimonialista – É o tradicional apresentador de evento, agora com denominação mais requintada devido à entrada de socialaites na área.
Parecerista – Precursor do Ghost Wrigte, é a mão oculta de chefes ou profissionais incompetentes ou preguiçosos.Eventólogo – Cuida da organização de eventos, nada produz e gosta de ser chamado de produtor. Especialista na arte de juntar gente à base da política de circo sem pão. Podólogo – Não tem nada a ver com poda de árvore e assemelhados. É o profissional que trata dos pés: calo seco, pé chato, joanete, unha encravada e chulé.
Esteticista – Segmento dos membros não aprovados nos testes para maquiador, que organizaram mercado e marketing próprios.
Promoter – Assemelhado ao eventólogo e vinculado a uma instituição. Geralmente, do sexo feminino.
Dsigner-gráfico – É o antigo desenhista industrial batizado com nome estrangeiro a partir da regulamentação profissional e depois de tirar do páreo os arquitetos que invadiam o pedaço.Considera-se ofendido ser for chamado de desenhista gráfico ou programador visual.
Acompanhante – Setor derivado da prostituição, podendo incluir a prestação de serviços sexuais ou, apenas, o acompanhamento puro e simples de figurões ou figuronas com necessidade de aparecer formando casal.
Depilador pubiano – Ramo derivado de uma mistura das técnicas de cabeleireiro, tatuador e massagista. Uma pesquisa em textos publicitários distribuídos mão-a-mão, revelou a existência de salões e salinhas com profissionais de ambos os sexos, especializados em modelos da mais ampla variedade: afro, peladinhos, semi-pelados, trancinhas, lavagens, permanentes, tinturas, alisamentos e encrespamentos, mechas, rinsagens, frisagens, grisalhagem, brilho, tonalização e desenhos feitos com raspagens.
Testa-de-ferro – Aquele que responde legal e frontalmente por negócios e mandos pertencentes a algum poderoso, a quem não é conveniente a presença ostensiva ou oficial nas demandas. Precursor do agente laranja.
Laranja – Agente especializado em operações financeiras.Integra a diretoria ou assume a titularidade de empresas-fantasma ou reais, com a finalidade de viabilizar negócios a serviço de interessados ocultos. Trata-se de uma derivação do testa-de-ferro.
Lobysta autônomo – Atua como espécie de “free lancer”na liberação de recursos ou na articulação de contatos junto a órgãos de governo.
Assessor – Antigamente, e segundo o Dicionário Aurélio, era alguém que prestava algum serviço especializado. Na modalidade pós-moderna, esta exigência foi relativizada, notadamente no setor público, podendo ser encontrados os assessores-acessórios, sem nenhum conhecimento específico, vulgarmente chamados de aspones - assessores de porra nenhuma.Nesta categoria, convém ressaltar no segmento um relevante esforço de criatividade no sentido de exercer ou demonstrar alguma utilidade.Muitos aspones se transformaram em verdadeiros agentes de acessibilidade e acompanhamento, desdobrando-se em abrir e fechar portas de sala e de carro, puxar conversas em ante-sala, cercar visitantes, sentar em mesa de reunião fazendo rabiscos, acessar o chefe e compor o seu contingente de acompanhantes em visitas, comilanças, homenagens e cerimônias de inauguração.
Candidato profissional – É o funcionário público que se candidata a algum cargo parlamentar com a finalidade de gozar da licença ou trabalhar como cabo eleitoral na campanha de um terceiro.
Segurador de pau – Especializado em segurar faixa, cartaz ou bandeira em ponto fixo, caminhada ou comício
Boqueiro de urna – É aquele vivente escalado para fazer plantão e claque perto de seções eleitorais, em dia de eleição, distribuindo adesivos, chapinha, santinho e materiais do candidato contratante. O trabalho não é nenhuma boquinha e sua remuneração varia de acordo com o caixa do candidato. A categoria dos boqueiros pretende regulamentar a profissão e estabelecer vínculos formais de trabalho, porque muitos candidatos derrotados terminam por não pagar os serviços.
Garrafa – É aquele filiado de partido político que tem a função de assegurar o quorum nas convenções oficiais, ocasião em que é rebocado e alimentado para marcar presença e votar segundo a receita. Comparado às garrafas vazias que se juntam para compor as grades de cerveja.
Ghost wryte – É o velho escriba de aluguel com novo nome. Guarda semelhança com o intérprete, o ventríloquo e o personagem-escada, exceto na condição de ser um agente rigosamente oculto. A discrição é o seu atributo essencial para repassar ao contratante a autoria dos seus textos e fidelizar a clientela.
Camorim – É o candidato a vereador com pequena quantidade de votos
Camorim ovado – É o candidato a vereador que se aproxima dos mil votos ou ultrapassa esse patamar, o que não é suficiente para ser eleito, mas ajuda a somar votos na legenda e eleger os candidatos preferenciais.
Pau-no-cu – É o militante que sempre atua em condições subnormais de apoio e retorno, mas continua carregando a sua bandeira – ou sua cruz.

Manifesto Masculinista

[Texto integral]
Masculinismo é a palavra nova que aponta o caminho da masculinidade sem machismo. A partir dela, e sob a forma de um manifesto, o autor satiriza os padrões asfixiantes que envolvem a condição humano-masculina nos dias atuais. Com humor ferino, sem vitimismo nem arrogância, são apresentadas reivindicações e propostas para uma convivência mais solidária entre os diversos segmentos sexuais.
Contra: o terror machista; a ditadura clitoriana; o autoritarismo gay.

Sarro inicial/prefácio

O Manifesto Masculinista tornou-se público em setembro de 85, nas páginas do “Rei da Notícia”, jornal de humor editado no Recife até 1988. Posteriormente reproduzido no Pasquim (ed. 848, Rio 10/10 a 16/10/85), estimulou o manifesto do MMC – Movimento Masculinista Carioca. Foi comentado em artigo da Palyboy (ed. 34, set/86), transcrito com algumas alterações no jornal feminista Mulherio n° 25, SP, março-agosto/86, indicado no “TIL Notícias” n° 3, dezembro/86, das Edições Trote, resenha editada por Leila Miccolis no Rio; Jean Claude Nahoum o transcreveu no livro “A Construção da Sexualidade Feminina”, da Eleá Ciência Editorial Ltda, Rio 89. Em cidade sulista de que não me recordo, um vereador petista o imprimiu como instrumento de campanha eleitoral, em 88. De vez em quando, sei da sua multiplicação em cópias xerográficas ou mimeografadas.

Quatro anos depois de ser lançado, o texto foi republicado no Jornal do Commercio, Recife, edição 4-9-89. Na ocasião, assinalei em entrevista a inclusão da licença-paternidade na Constituição Federal de 88 e toquei na questão da AIDS, colocada em primeiro lugar nas paradas do sucesso mórbido e atribulando, particularmente, o segmento masculinista dos refratários ao preservativo.

Relendo hoje o manifesto, considero-o válido como documento de instigação e não me proponho a alterá-lo. Nesta edição, apenas, ligeiras novidades, como o esclarecimento de que a “opção fundamental” pelas mulheres é fundamental e exclusiva, a “liberação da lágrima masculina” posta em local mais adequado, a “Nova República do machismo” trocada pelo respectivo “neoliberalismo”, o acréscimo de que, “nas coisas de coração e cotovelo”, todo homem é igual a qualquer mocinha.

Além de se reivindicar: a plena igualdade de acesso homem/mulher, usando-se bermudas e camisetas sem mangas; a condição de “primeiros cavalheiros”, com direito à Legião Assistencial competente, caso companheiros de prefeita, governadora ou presidenta; o fim do serviço militar obrigatório e exclusivo para homens.

No texto se rejeita o modelo de masculinidade que nos é imposto desde criancinhas, propondo-se uma masculinidade sem machismo. O que não tem nada a ver com tiradas tipo: “lado feminino” do homem para qualificar suas expressões de leveza e ternura é tão primário e ridículo quanto se atribuir a um pretenso “lado masculino” da mulher, suas impulsões de combatividade e firmeza.

Masculinistas desumildes e desarrogantes, proclamamos que nossa condição humana é o melhor de nós e rejeitamos todas as fórmulas simplificadoras para interpretar o nosso gênero e equacionar as possibilidades do bem-estar humano-masculino.

Recusamo-nos a substituir a imitação mecânica do pai-herói machão pelo macaqueamento da super-mãe liberada. Negamos que a solução dos problemas dos homens venha a ser um resultado ou uma dádiva da luta das mulheres. Entendemos que só os masculinistas libertarão os masculinistas, em solidariedade suprema com as companheiras mulheres a abertos a todos os segmentos/movimentos libertários. Afinal de contas, trata-se de elevar a taxa de felicidade para todos.

Recife, outubro de 1991
Marcelo Mário de Melo

Cabecinha

Nas questões ligadas á discriminação e aos papéis sexuais, as mulheres já estão na sua, os homossexuais idem, os bissexuais também. E até machões se organizam esse solidarizam, como se viu no caso daquele cara que ferrou a mulher no rosto e teve o apoio da Associação dos Maridos Traídos, fundado no Ceará.

Todos os setores se mobilizam. E como focamos nós, que não somos mulheres, nem homossexuais, nem bissexuais, e rejeitamos o modelo machista que nos é imposto desde criancinhas como a marca da masculinidade?

A resposta está no masculinismo – uma movimentação crítico-autocrítica, reivindicativa, desfrutativa, solidarista e convivencial.

Sabemos que, de cartas de princípios e discursos generosos, a humanidade já está de sacos e ovários repletíssimos, colocamos os dedos nas feridas através de um manifesto e proclamamos, indicativamente, o que rejeitamos e pretendemos transformar para viver melhor.

Começo de Penetração

MMN – Movimentação Masculinista Nordestina.

Símbolo – um cacto ereto ou em repouso.

Observação – um cacto sem espinho.

- Contra o terror machista.
- A ditadura clitoriana
- O autoritarismo gay
- Pela reconciliação do espermatozóide com o óvulo.

Renunciamos a todas as prerrogativas do poder machista.

Que omem seja escrito sem “H”

Ao nos consideramos superiores bem inferiores ás mulheres, aos homossexuais e aos bissexuais: somos diferentes e iguais.

Rejeitamos todos os modelos prefabricados se sexualidade, caretosos ou vanguardeiros, partindo de três princípios: 1) carência não se inventa; 21) receita, somente de bolo; 3) vanguarda também é massa.

Somos solidários com qualquer saída ou entrada sexual que a humanidade venha inventar e curtir, desde que não haja imposição e violência.

Exigimos que se respeite a nossa opção fundamental e exclusiva: gostamos é de mulher.

Aprofundando a entrada


- Abaixo o guarda-chuva preto. Não somos urubus.
- Abaixo as exigências do paletó e da gravata.
- Contra o serviço militar obrigatório e exclusiva para homens.
- Contra o relógio-bolachão.
- Pelo direito de mijar sentado.
- Pelo respeito ao pudor masculino: mictórios privativos.
- Pelo amparo aos pais solteiros, abandonados pelas mulheres amadas desalmadas.
- Creches dos bares
- Queremos pensão por viuvez, auxílio-alimentação e licença-paternidade. Não amamentamos,
mas podemos trocar fraldas
- Contra o fechamento do mercado de trabalho aos homens. Queremos ser secretários,
telefonistas, babás e tiüos de escolinha.
- Não queremos ser “chefes-de-família”, nem regentes sexuais. Igualdade fora e em cima da
cama.
- Queremos transar mais por baixo.
- Queremos ser tirados pra dançar.
- Queremos ser cantados e comidos pelas mulheres.
- Pelo direito de dizer “não” sem grilos nem questionamentos da nossa masculinidade.
- Pelo direito de broxar sem explicação. Mulher também brocha. Aquele ou aquela que nunca
brochou, atire primeira pedra.
- Abaixo a máscara da fortaleza masculina!
- Pelo direito de assumir nossas fragilidades.
- Pela liberação da lágrima.
- Proclamamos que nas coisas de coração e cotovelo todo homem é igual a qualquer mocinha.
- Abaixo o complexo de corno. Por que mulher não e corna? Fidelidade ou infidelidade recíproca.
- Cavalheirismo é cansativo e custoso. Delicadeza é unissex. Que seja extinto o cavalheirismo ou
se instaure, também, o damismo.
- Queremos receber flores.
- Pela igualdade de acesso homem/mulher, quando usa bermudas ou camisetas sem mangas.
- Queremos ser “primeiros cavalheiros”, com direito à Legião Assistencial competente, caso
companheiros de prefeitas, governadoras e presidenta.

Empurradinha Final

- Exigimos a modificação do Pai Nosso: a) Pai e Mãe nosso que estais no céu...; b) Bendito o fruto
do vosso ventre, do nosso sêmem.

- Pela capacitação dos homens, desde a infância,para as tarefas tidas como “essencialmente
femininas”. Reciclagem geral. Queremos aprender corte e costura, culinária, cuidado de
crianças, etc. em contrapartida, ensinaremos ás mulheres: trocar pneu de carro, bujão de gás,
lâmpada e fusível; dar porrada, atirar e espantar ladrão; matar barata e rato.

- Pela paternidade de responsável e contra a gravidez e os filhos serem utilizados como
elementos de chantagem sentimental sobre nós.

- Pelo respeito á intuição masculina.

- Denunciamos a utilização depreciativa das expressões “cacete”, “caralho”, “pra cacete”, “pra
caralho”. Exigimos que cada um ou cada uma se posicione: cacete/caralho é bom ou não é? Se é
bom, respeitem como ao seu pai ou à sua mãe.

- Protestamos contra o fato do nosso órgão do amor ser representado por espadas, canhões,
porretes e outros instrumentos de agressão e guerra. Só aceitamos a simbolização a parir de
coisas gostosas e sadias: chocolates, biscoitos, bananas, picolés, pirulitos, etc.

- Denunciamos como principais vias condutoras do machismo: as vovozinhas cândidas, as
mulherzinhas dondocas, as mãezinhas possessivas e as professoronas assexuadas.

Orgasmo Total


Consideramos que muitos masculinistas trabalham dois expedientes, estudam e freqüentam um milhão de reuniões e eventos, sem falar das poligamias possíveis, não iríamos incorrer na atitude fascistóide de inventar mais uma reunião pra a comunidade masculinista. Portanto o nosso princípio de organização é o seguinte: grupos de um e cada grupo obedece a seu chefe. Assembléias gerais com ego, id e superego. Voto de minerva para ego.

Convencidos de que a perfeição não é uma meta e é um mito, procuramos fazer um esforço no sentido de romper com 70% do nosso machismo atual e acrescentar sempre novos itens neste Manifesto, aceitando a contribuição crítica e propositiva de todos os masculinistas e outros segmentos sexuais, preservada a nossa opção fundamental e exclusiva pelas mulheres.

Denunciamos os machões enrustidos que, utilizando o discurso masculinista, pretendem, apenas, dar os anéis para não perderem os dedos. Recuam em 30% de machismo para manterem os 70%. É o neoliberalismo do machismo.

Somos todos oprimidos. E sendo os homens, estaticamente, minoritários diante das mulheres. Nós, homens masculinistas, sofremos a pressão dos machões, das feministas sectárias e dos homossexuais autoritários mais oprimida. Requeremos, portanto, o apoio extremo e a solidariedade máxima por parte da sociedade inservil.

Tirando de Dentro

Com o objetivo de recolher elementos críticos, este Manifesto foi enviado ao Movimento dos Machões-ões-ões, à Federação das Feministas-Istas, Istas, e a Irmandade dos Homossexuais-Ais-Ais, infelizmente, somos obrigados a publicá-lo sem os pronunciamentos destas entidades, devidos aos contratempos que as atingiram.

No Movimento dos Machõed-ões-ões, o presidente tinha ido a um motel com moça e brochado pela primeira vez. Entrou em profunda crise psíquica e foi internado na clínica psiquiátrica mais próxima, depois renunciar o mandato. Na diretoria do MMOO irradiaram-se a insegurança as brochações e internações generalizadas, não havendo clima para a discussão do nosso Manifesto.

Na Irmandade dos Homossexuais-Ais-Ais, a maioria dos diretores conjugava o verbo na voz passiva e, nas transas de sexta para sábado, só topou com parcerias que tinham ejaculações precoce, instalando-se, também aí, um clima impropício aos eventos analíticos.

Na Federação das Feministas-Istas-Istas chegou a ser convocada e iniciada a reunião, mas, quando o Manifesto ia ser lido e debatido, irrompeu de surpresa na sala um tremendo guabiru, que subiu pelas pernas da presidente e galopou sobre a mesa. Predominando o subconsciente tradicional, houve correria e pânico generalizado – e a Movimentação Masculinista Nordestina deixou de contar com mais essa contribuição.

* Edição do Autor, outubro de 1991, 3 mil exemplares. Capa, programação visual e editoração eletrônica, Paulo Santos. Revisão, Lamartine Morais. Impressão, Gráfica Pernambucana LTDA.

Comentários

“Julguei enriquecer nossa discussão sobre o feminismo um discurso masculino e não-machista, que se intitula “Masculinismo” e foi estampado no Jornal Mulherio, n° 25”.
(Jean Claude Nahoum in “A Construção da Sexualidade Feminina”)

“Li um manifesto maculinista que, em meio à galhofa, diz coisas lúcidas e curiosas, dando boas pistas para as mulheres que querem chegar mais perto do homem.”
(Edith Elek Machado – Playboy 154/86)

“Foi o último Rei da Notícia que transcrevemos um dos m,ais inteligentes textos publicados sobre a chamada Guerra dos Sexos. Eu diria – uma vez que ridiculariza o absurdo das colocações machistas – que é um dos melhores textos feministas escritos por um homem”
( Mara Teresa Jaguaribe – Pasquim 848/85)

“Está é sem dúvida um momento histórico: os homens deixaram de se considerar a humanidade e descobriram-se outra metade, com gostos, preferências, carências. Como todo início de movimento, a MNN (Movimento Masculinista Nordestina) é um tanto radical, queixosa e a acusatória. Temos certeza que, com o passar do tempo, algumas de suas afirmações serão revistas...”
(Jornal Mulherio 25/86)

“O Manifesto Masculinista é um texto de leitura ‘obrigatória’ por parte de todos os que lutam em prol de uma sociedade mais justa e libertária”
(Leila Miccollis)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

PT & Esquerdas

Esquerda acomodada: PT e pachorra.
Esquerda adesista: PT e pretexto.
Esquerda agitadora: PT e passeata.
Esquerda aeronáutica: PT e pouso.
Esquerda avícola: PT e pinto.
Esquerda aventureira: PT e perigo.
Esquerda automobilística: PT e pista
Esquerda água com açúcar: PT e placebo
Esquerda agrícola: PT e plantio.
Esquerda assídua: PT e presença.
Esquerda arqueológica: PT e primata
Esquerda arquitetônica: PT e pilotis.
Esquerda arcaica: PT e pangaré.
Esquerda ambiciosa: PT e poder.
Esquerda alerta: PT e prontidão.
Esquerda aética: PT e pilantra.
Esquerda artística: PT e poesia.
Esquerda bucólica: PT e palmeiras
Esquerda brega: PT e pão doce.
Esquerda burocrática: PT e pacote.
Esquerda circence: PT e picadeiro.
Esquerda chic: PT e poire.
Esquerda cortesã: PT e palácio.
Esquerda conclusiva: PT e pronto.
Esquerda calculista: PT e prós e contras.
Esquerda cinematográfica: PT e projeção.
Esquerda culposa: PT e pecado.
Esquerda competitiva: PT e podium.
Esquerda corporativa: PT e patota.
Esquerda clientelista: PT e porteira.
Esquerda cética: PT e prova.
Esquerda complicada: PT e prolegômenos.
Esquerda culinária: PT e panqueca.
Esquerda ciclística: PT e pedal.
Esquerda cuidadosa: PT e peneira.
Esquerda compassiva: PT e perdão.
Esquerda corrupta: PT e propina
Esquerda curiosa: PT e pergunta.
Esquerda cósmica: PT e planeta.
Esquerda contraditória: PT e paradoxo
Esquerda cansada: PT e pausa.
Esquerda drogada: PT e pico.
Esquerda detalhista: PT e pitoco.
Esquerda doutrinarista: PT e piolho.
Esquerda denuncista: PT e panfleto.
Esquerda delicada: PT e pelica.
Esquerda dogmática: PT e pré-moldados.
Esquerda devassa: PT e putas.
Esquerda decidida: PT e peito.
Esquerda demagógica: PT e Pinóquio.
Esquerda dialética: PT e processo.
Esquerda eleitoral: PT e palanque.
Esquerda ecológica: PT e plantas.
Esquerda esquemática: PT e prato feito
Esquerda eventualista: PT e point.
Esquerda etílica: PT e pinga.
Esquerda epistolar: PT e PS.
Esquerda eclética: PT e patrão.
Esquerda evangélica: PT e pastor.
Esquerda escatológica: PT e pus.
Esquerda escrachada: PT e PQP.
Esquerda esquemática: PT e padrão.
Esquerda equilibrada: PT e prumo.
Esquerda emocional: PT e pulsão.
Esquerda feminista: PT e paridade.
Esquerda festiva: PT e pagode.
Esquerda flatulenta: PT e pum.
Esquerda fálica: PT e pênis
Esquerda futurista: PT e prognóstico..
Esquerda futebolística: PT e placar.
Esquerda formalista: PT e protocolo.
Esquerda freudiana: PT e psicanálise.
Esquerda frentista: PT e ponte.
Esquerda fútil: PT e pompons.
Esquerda fóbica: PT e pavor.
Esquerda gráfica: PT e página.
Esquerda geométrica: PT e polígonos.
Esquerda gastronômica: PT e petisco.
Esquerda gay: PT e purpurina.
Esquerda hipocondríaca: PT e plasil.
Esquerda humorística: PT e piada.
Esquerda hilária: PT e Pateta.
Esquerda higiênica: PT e pia.
Esquerda humanista: PT e pessoa.
Esquerda hedonista : PT e prazer.
Esquerda infantil: PT e pipa.
Esquerda índia: PT e pajé.
Esquerda insistente: PT e prévias
Esquerda insegura: PT e pendências.
Esquerda impotente: PT e prótese.
Esquerda institucional: PT e planalto.
Esquerda jornalística: PT e pauta.
Esquerda lúdica: PT e parque.
Esquerda masoquista: PT e plenária
Esquerda militarista: PT e pelotão.
Esquerda messiânica: PT e paraíso.
Esquerda matemática: PT e pi.
Esquerda mitificadora: PT e pedestal.
Esquerda mecanicista: PT e parafuso.
Esquerda megalomaníaca: PT e píncaro.
Esquerda maquiavélica: PT e perfídia
Esquerda musical: PT e piano.
Esquerda mortuária: PT e pêsames.
Esquerda missionária: PT e profeta.
Esquerda misteriosa: PT e porão.
Esquerda mística: PT e promessa.
Esquerda materialista: PT e Prometeu.
Esquerda macrobiótica: PT e pão integral
Esquerda marítima: PT e porto.
Esquerda moderna: PT e progresso.
Esquerda nacionalista: PT e Petrobrás.
Esquerda negra: PT e palmares.
Esquerda naturalista: PT e paisagem.
Esquerda narcisista: PT e pavão.
Esquerda nepotista: PT e primos.
Esquerda obreirista: PT e pá.
Esquerda obesa: PT e papada.
Esquerda ortopédica: PT e postura.
Esquerda otimista: PT e promessas
Esquerda oratória: PT e palavra.
Esquerda ordenadora: PT e pulso.
Esquerda ornitológica: PT e passarinho.
Esquerda obsessiva: PT e programa.
Esquerda psiquiátrica: PT e pinel.
Esquerda poligâmica: PT e paquera.
Esquerda periférica: PT e palhoça.
Esquerda pacifista: PT e pomba.
Esquerda pecuária: PT e pasto.
Esquerda pedagógica: PT e Paulo Freire.
Esquerda propagandística: PT e pregão.
Esquerda puritana: PT e pecado.
Esquerda pragmática: PT e produto.
Esquerda pictórica: PT e pincel.
Esquerda pediátrica: PT e pimpolho.
Esquerda prevenida: PT e preservativo
Esquerda pontual: PT e ponteiros.
Esquerda prolixa: PT e preâmbulos.
Esquerda podóloga: PT e palmilha.
Esquerda pioneira: PT e picada.
Esquerda patriarcal: PT e prole.
Esquerda pessimista: PT e passivo.
Esquerda puritana: PT e pudor.
Esquerda porralouca: PT e pipoco.
Esquerda programadora: PT e planilha.
Esquerda do pano verde: PT e poquer.
Esquerda religiosa: PT e Pai Nosso.
Esquerda repetitiva: PT e papagaio.
Esquerda ribeirinha: PT e palafita.
Esquerda ressentida: PT e perdas.
Esquerda riponga PT e peircing
Esquerda repressiva: PT e polícia
Esquerda reprodutora: PT e parto.
Esquerda rural: PT e posseiro.
Esquerda requintada: PT e pérola.
Esquerda reticente: PT e poréns.
Esquerda racionalista: PT e premissas.
Esquerda realista: PT e planície.
Esquerda reincidente: PT e Programa
Esquerda stalinista: PT e porrada.
Esquerda sisuda: PT e protocolo.
Esquerda surfista: PT e prancha
Esquerda sertaneja: PT e poço.
Esquerda superficial: PT e paetês.
Esquerda saudosista: PT e passado.
Esquerda sádica: PT e pesquisa.
Esquerda sociológica: PT e pirâmide.
Esquerda teórica: PT e paradigma.
Esquerda teatral: PT e platéia.
Esquerda terrorista: PT e petardo.
Esquerda tradicionalista: PT e papai com mamãe.
Esquerda televisiva: PT e plim-plim.
Esquerda turística: PT e passaporte.
Esquerda turfística: PT e páreo.
Esquerda utilitarista: PT e proveito.
Esquerda ufanista: PT e Panteão
Esquerda umbandista: PT e pai de santo.
Esquerda volúvel: PT e partida.
Esquerda vaidosa: PT e perfume.
Esquerda vacilante: PT e pêndulo.
Esquerda zoológica: PT e pica-pau.
Esquerda zen: PT e Paz

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

DPL: um novo mal

Expressão típica da pós modernidade, a Depressão Pós Lula – DPL é um novo tipo de doença mental que vem fazendo vítimas no Brasil. Tratando-se de uma novíssima expressão de morbidade, com incidências registradas a partir de 2004, os especialistas ainda se encontram conceitualmente desapetrechados para o seu tratamento. Emergencialmente, os psiquiatras têm recorrido a medicamentos e procedimentos próprios aos casos de depressão e síndrome do pânico.
Os psicólogos têm preferido a utilização das técnicas da análise transacional e do psicodrama, recomendando aos seus pacientes que procurem tirar férias ou licença, deslocando-se para recantos afastados, onde não tenham acesso a noticiários ou meios de comunicação de qualquer espécie. Isto porque, foi constatado que os estados de crise dos portadores de DPL se manifestam, sempre que são atingidos por informações ligadas a conflitos na base aliada do governo federal, contendas interministeriais e pronunciamentos de representantes do FMI e dos banqueiros.
Há o caso de um paciente que foi socorrido em estado de choque, apresentando uma profunda crise de identidade, murmurando repetidamente: “ Quem sou eu? Quem sou eu?” Na anamnese foi identificado como incidente traumático o momento em que, assistindo ao Jornal Nacional, ele defrontou-se com o senador Sarney sendo tratado por um destacado petista como “Companheiro Sarney”.
Outro paciente de DPL entrou em crise profunda quando, também por via televisiva, assistiu a parlamentares da ala esquerda do PT fazerem denúncias e darem votos semelhantes aos dos representantes do PFL. Depois disto ele perdeu o senso de direção, começou a confundir todos os sinais de trânsito e terminou provocando um acidente. Em seguida deixou de fazer qualquer tipo de movimentação lateral, caminhando sempre em frente. Além disso, esqueceu se era destro ou canhoto e se fixou numa postura de braços cruzados no peito, impedindo-se de qualquer gesto com as mãos.

Está constatado que a DPL é uma neurose (ou psicose) essencialmente política. Para o seu equacionamento, os pesquisadores partem das contribuições teóricas e metodológicas acumuladas em torno do tópico Esquerda Psiquiátrica. Os estudos se direcionam para a abordagem destes dois contrapontos: Denuncismo categórico versus Cupulismo Multifacético; Imediatismo Extremado versus Moderação Radical.
Já se concluiu pela necessidade de desdobrar os estudos da DPL nas suas vertentes intra-poder e extra-poder, uma vez que, na recorrência ao apoio terapêutico, tem-se registrado o comparecimento equivalente de pessoas que atuam dentro e fora das estruturas governamentais.

Foi criada a organização não-governamental SOS DPL, que abriga a Articulação dos Depelistas Anônimos - ADA. A ong está organizando um Seminário para aprofundar o estudo do novo mal e fez um pedido de patrocínio ao Ministério da Saúde.
Foi solicitada a presença de representantes da ONU, para que se investigue se o quadro clínico da DPL já ocorreu ou ocorre noutros países, restando a possibilidade de a doença ser incluída no catálogo da Organização Mundial de Saúde.
O SOS DPL apelou ao FMI para que as despesas ministeriais com o Seminário não sejam consideradas nos cálculos para o estabelecimento do percentual do superavit primário.

A Greve dos Psicólogos

Marcelo Mário de Melo



Decididos a entrar em greve, os psicólogos achavam importante que o movimento fosse desencadeado juntamente com os psicanalistas. Mas os primeiros passos nesse sentido não foram fáceis. Havia uma resistência não declarada dos psicanalistas, preocupados em não serem identificados como psicólogos. A seu ver, e recorrendo a uma hierarquização eclesiástica, se eles pudessem ser considerados padres, cônegos, monsenhores, bispos, arcebispos, cardeais ou mesmo papas, os psicólogos não passariam de oblatos ou diáconos. As sessões de análise da greve se multiplicavam entre as representações dos psicólogos e dos psicanalistas, sempre rodando em círculos, como se na procura de algum incidente traumático fugaz e de difícil identificação. Mas, finalmente, se chegou ao acordo entre os dois segmentos, independentemente das suas diferenças e introjeções de status. A greve seria identificada como dos psicólogos e dos psicanalistas. Foi esta a fórmula habilidosa encontrada para manter a unidade e as distinções.

Desencadeada a greve, os psicólogos e psicanalistas contaram com o apoio de uma parte dos psiquiatras. Outra parte não se solidarizou, porque não aceitava a própria existência daqueles profissionais. No seu entender, eles não passavam de “padres sem batina”, que lhes tinham arrebatado uma parte da clientela. Por sua vez, os padres mais antigos ocuparam os púlpitos em virulenta campanha, apelando para que não fosse atendida nenhuma reivindicação dos grevistas. “Depois que os psicólogos e psicanalistas passaram a existir – diziam eles -, os confessionários se esvaziaram”. Mas vigários modernosos e negocistas não concordaram com isso, afirmando que o problema tinha ocorrido devido à falta de um marketing religioso arrojado. “Se tivéssemos desencadeado uma ação publicitária permanente, ressaltando o caráter gratuito do nosso atendimento no confessionário, dramatizando o tormento do sentimento de culpa e deixando bem claro que nós, padres, detemos com exclusividade o poder da penitência e do perdão, atributo que os psicólogos e psicanalistas não possuem, a situação não seria esta. Fomos incompetentes na administração da franquia divina, não soubemos fidelizar a clientela e, agora, estamos correndo atrás do prejuízo”. Outros integrantes da comunidade dos padres se manifestaram solidários à greve. Uns, dizendo que para um ser humano conviver com toda a sorte de problemas e encucações derramados na intimidade de um confessionário, mesmo tendo procuração divina, somente com apoio terapêutico. Outros, afirmando ser impossível suportar o esvaziamento do confessionário sem recorrer à intimidade da terapia, que administrava a falta e propiciava um clima semelhante.

Outras tendências religiosas se manifestaram, engrossando o caldo da confusão. Pais e mães de santo, babalorixás e ialorixas de todas as casas, acompanhados de pajés de todas as tribos, ocuparam as ruas em noitadas de toques, oferendas, despachos e pajelanças, reivindicando serem reconhecidos como psicoterapeutas. Acrescentaram que possuíam franquias nacionais e internacionais de deuses afro-brasileiros, africanos, tupi-guaranis e latinoamericanos. Seguiram-se as manifestações dos capoeiristas e iogues, exigindo o seu reconhecendo como terapeutas do corpo e atraindo com objetivo idêntico os representantes de maracatus, afoxés e uma infinidade de grupos de dança e luta marcial.

Depois de uma semana de greve, os clientes dos psicólogos e psicanalistas exigiram uma trégua para serem atendidos. Como não obtivessem uma resposta, rebelaram-se e começaram a promover nas ruas um ruidoso quebra-quebra de divâs e sofás, acompanhado de rasga-rasga de almofadas, tatames e tapetes. Os fabricantes e revendedores de móveis e almofadas exultaram com a iniciativa e infiltraram no movimento uma série de agentes, estimulando destruições mais amplas, incluindo mesas, estantes, toalhas, lençóis etc.

Ante a cobrança por algum atendimento durante o processo grevista, os psicólogos e psicanalistas argumentaram que agora não tinham mais divâs, sofás, nem almofadas, tatames e tapetes disponíveis. Os pacientes apresentaram a solução alternativa do atendimento nos bancos de praça, que passaram, imediatamente, a ocupar. Isto provocou a reação dos namorados e dos mendigos, que afirmaram serem os usuários mais antigos do espaço e não admitirem, agora, perde-lo por causa da greve. A situação ia degenerar em conflito, com a entrada em cena dos desocupados e dos malandros, solidários com os namorados e mendigos. Antes que eles pudessem tomar qualquer iniciativa, porém, todas as praças foram ocupadas por forças policial-militares.

Mas essa intervenção, que se apresentou como uma forma de evitar violências, passou a ser o centro de uma complicação ainda maior. Obrigados a cumprir a função de vigias de praça, os policiais se sentiram diminuídos e, afetados na sua auto-estima, foram tomados por uma depressão e uma regressão generalizadas. Soldados, cabos, sargentos e oficiais de todas as estrelagens eram vistos acabrunhados nos cantos, prostrados em posição fetal, tomando cachaça na mamadeira, ciscando no chão, falando como bebês, gritando por papai e mamãe, brincando de bang-bang e de tiro ao alvo com os revólveres. Nessa brincadeira começaram a se multiplicar os feridos e os cadáveres, para o espanto e o maior desespero dos policiais infantilizados, que soltavam as armas e caiam em pranto, desesperados. Convocadas tropas do exército, da marinha e da aeronáutica, os policiais foram alvejados com sedativos, desarmados e recolhidos.

No decorrer da greve surgiu um fenômeno natural que intrigou a comunidade científica, notadamente os astrônomos e os meteorologistas. Desde que as praças passaram a ser ocupadas pelos clientes dos psicólogos e psicanalistas, a lua, simplesmente, deixou de aparecer, como se estivesse prestando solidariedade aos namorados e mendigos. Coisa que, para alguns defensores da influência dos ciclos lunares no comportamento animal e humano, não deixava de trazer um aspecto positivo:
– Já pensaram numa greve doida dessas rolando na força da lua, com esse monte de gente pirada sem nenhuma assistência? A natureza sabe o que está fazendo.

Enquanto isto, desenvolvia-se no meio dos grevistas um grave problema político-psicológico. Uma parte dos psicólogos e psicanalistas passou a apresentar o sintoma da contra-transferência, parecido com o fenômeno da transferência afetiva que ocorre no paciente, em relação ao analista. Os terapeutas começaram a se colocar como pacientes e a incorporar suas reivindicações de atendimento, vivendo uma profunda crise de identidade, em alguns casos apontando para verdadeiras cisões esquisofrênicas. Alguns saíram dos piquetes grevistas e se incorporaram à legião dos clientes reivindicantes. Outros, embora sem chegar a tais extremos, apresentavam uma certa duplicidade de comportamento e alguma identificação com os clientes, pelo fato de também se submeterem a processos de análise ou psicoterapia.

Na área militar, a crise se aguçou profundamente. A depressão e a infantilização avançaram sobre os novos contingentes, com a elevação dos registros de ferimentos e mortes, devido às brincadeiras de bang-bang. Mas os soldados infantilizados de tendências normóides se deliciavam em brincadeiras nas ruas, numa alegre parceria com a garotada. Os do exercito brincando de marcha-soldado, os da marinha construindo barquinhos de papel, os da aeronáutica fazendo aviõezinhos e pipas. Esta situação levou a que a greve dos psicólogos e psicanalistas fosse considerada assunto de segurança nacional, que exigia uma solução ultra-rápida. E se desenvolveram as pressões de todos os lados para que o movimento fosse encerrado.

Entre as lideranças dos grevistas, uma acirrada polarização era capitaneada por duas tendências principais. Os psicanalistas achavam que a greve tinha-se tornado um fenômeno muito complicado, sendo necessário fazer uma pausa, analisar mais a situação e, com muito cuidado, programar os passos seguintes. O pessoal da análise transacional, os bioenergéticos e os biodançantes eram contra a suspensão e propunham mais movimento e mais ação. Foi marcada uma assembléia geral num estádio, para se aprofundar as propostas e se chegar a uma conclusão. Paralelamente, seria realizada uma Feira de Psicologia e Psicanálise, onde todos poderiam vender o seu peixe e pescar clientes.

Na Feira havia ofertas para todos os gostos. Era uma infinidade de estandes, barracas e tendas, com consultórios improvisados, onde se realizavam entrevistas e sessões para captação de novos clientes, garantindo-se o atendimento à clientela tradicional. Os psicanalistas se situaram numa ala diferenciada, contando com o patrocínio de uma empresa moveleira que acabara de lançar um novo tipo de divã: o Doctor Freud. Representavam-se as sub-alas dos kleinianos, yunguianos, lacanianos, reichianos, carusianos, winicottianos. Os psicólogos ocupavam uma área imensa e repleta de subdivisões. Os gestaltistas, analistas transacionais e rogerianos se apresentavam em três grandes estandes. Seguiam-se bioenergética e biodança, com o patrocínio do Biotônico Fontoura, que criou também a seção Biotudo, onde foram distribuídos: psicodrama, yoga, aromaterapia, florais de Bach, massagem ayuvérdica, ritmoprática, transpessoal, terapia de vidas passadas, projeciologia, meditação transcendental, programação neurolinguística, reiki, feng-shui, grito primal, sexercícios e dança do ventre. A única nota dissonante na organização do evento foi a instalação da barraca da biodança vizinha à da meditação transcendental, gerando uma gravíssima incompatibilidade sonora inicial, somente superada com a posterior relocalização.

Paralelamente à Feira, desenvolviam-se as discussões de avaliação da greve, suas complicações e seus rumos. Um psicanalista defendeu o encerramento:

- A situação está tão confusa, que se a gente ajudar a encontrar solução para todas as complicações surgidas a partir desta greve, já será uma vitória.

Outro grevista contra-argumentou exaltado:

- Nada de recuar. Só encerraremos a greve quando todas as nossas reivindicações forem atendidas.

Amplamente aplaudido, ia alinhar as reivindicações, para refrescar a memória dos manifestantes, mas parou estatelado e mudo, como se tivesse visto um fantasma. Depois de mais de um minuto nesse transe, desesperado, recuperou a voz e apelou para a platéia:

- Deve ser o estresse da greve. Me deu um branco e não consigo me lembrar das nossas reivindicações. Peço a ajuda de outro companheiro.

O grevista mais próximo subiu à tribuna, mas também permaneceu estático, sem se lembrar de nada. Todos começaram a se olhar uns para os outros, com ares de espanto e apelo. Depois de um grande silêncio, alguém diagnosticou:

- Deu um branco coletivo. Ninguém se lembra das nossas reivindicações. É amnésia grevista generalizada.

Passada a estupefação inicial, o coordenador da assembléia declarou que continuavam abertas as inscrições para os falantes. Um psicólogo se inscreveu e questionou:

- Mas como é que a gente vai poder continuar com esta greve ou encerrá-la direito, sem saber quais são as nossas reivindicações?

O orador seguinte respondeu à indagação:

- Isto não tem muita importância, porque greve é como terapia ou análise: a gente começa, mas nunca sabe quando vai terminar.

(2001)

Nas Ondas da Macromaldade

Achei na rua um envelope com um documento surpreendente. Trata-se de uma minuta sem assinatura e tem o título de “Contribuição à Congregação da Macromaldade. Sem comentários, passo a transcrevê-lo:

“A linha diretriz é fazer o mal sempre, segundo o princípio: desamai ao próximo como o masoquista a si mesmo. Mas nesse ofício, às vezes as pessoas se perdem no troco miúdo, ocupando o tempo em pequenas maldades que não saciam e as deixam frustradas e tensas. Nessa fase, vive-se para o varejo, sem seletividade e sem estratégia, empurrando-se com a barriga as maldadezinhas de cada dia, com desproporcionais exposições à ira pública.

Depois se amadurece e se chega a outro estágio. É quando se procura não somente, de modo compulsivo, fazer uma maldade por dia, ou qualquer maldade, mas realizar grandes maldades, com alvos escolhidos. Isto dá uma sensação de bem-estar tão profunda, um estado de relaxamento e leveza tão envolvente, que se pode até incorrer, sem sentimento de culpa, no pecado da bondade, realizando, aqui acolá, uma série de boas ações de pequeno porte. Coisas que colaboram com a nossa imagem e nos preservam ante a opinião pública.

Como a maioria da população é formada por pobres, miseráveis e carentes, essas pequenas bondades causam uma grande impressão e dão um perfil quantitativo cuja repercussão ultrapassa, aparentemente, as maldades realizadas. Por este expediente pode-se prosseguir exercendo com obstinação o ofício de fazer o mal com competência, profundidade, seletividade e apuro.

É claro que esta linha de atuação encontra resistência entre os integrantes da Congregação que possuem um viés tradicionalista e vivem engolfados na administração de maldades miúdas. Cegos ante os acidentes do caminho, não sabem abrir novas estradas e perdem a visão do objetivo maior, que é promover a maldade com graus elevados e crescentes de eficiência e largueza. Coisa que não se consegue com os seus métodos primários.

Um grande inimigo da estratégia maligna é o narcisismo. Tomado por ele, o agente do mal fica cego ante a luz dos refletores e se precipita em desencadear maldades ainda verdes, pelo prazer ansioso de demonstrar poder e se colocar em cena. Em troca dessa satisfação primária, prejudica as possibilidades e o prazer de produzir maldades mais maduras, marcantes e cruéis.

E aqui chegamos a duas questões fundamentais na estratégia maligna. Primeiro, não se deve pretender unir maldade e ribalta. O prazer de administrar o mal é um prazer sem partilha, recolhido e solitário, de quem olha sua obra do alto de uma torre e comprova os seus efeitos, consciente do seu poder, sem necessidade do aval de terceiros.

Em segundo lugar, não se trata só de fazer o mal, mas de fazer grandes maldades, que conduzam sem retrocessos ao território supremo da crueldade abrangente, esta sim, o ponto mais alto de todo um processo de amadurecimento e ascensão nas trilhas do mal, tão diversificadas, emaranhadas e indutoras da dispersão.

Aí se alcança o estágio e o status equivalentes aos dos lamas budistas na sua seara. É a plena condição de desligamento das maldades acessórias. A consciência suprema do mal cósmico. Uma sintonia fina com as energias malignas concentradas, pulsando no ego com força de vulcão, rapidez de raio e eficiência de bomba atômica. Só então se atinge o Anavrin, que constitui o contraponto adequado ao Nirvana budista.